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Trabalhar 4 dias por semana

Faz notícia hoje que na Nova Zelândia se trabalham 4 dias por semana. Progresso. Mas um atraso enorme. Explico: Começa-se só hoje a discutir o problema do work-life balance, ou seja, a necessidade imperiosa de reduzirmos um pouco o ritmo de trabalho para podermos alocar esse tempo à vida pessoal

Faz notícia hoje que na Nova Zelândia se trabalham 4 dias por semana. Progresso. Mas um atraso enorme. Explico: Começa-se só hoje a discutir o problema do work-life balance, ou seja, a necessidade imperiosa de reduzirmos um pouco o ritmo de trabalho para podermos alocar esse tempo à vida pessoal – ou seja, satisfazer as nossas necessidades.
 
A pirâmide de Maslow é inequívoca: Necessidades Fisiológicas na base – comer, beber, etc. – depois temos as necessidades de segurança – ter uma casa onde viver, etc. – e continuando a trepar a pirâmide avistamos necessidades sociais – conviver com pessoas, por exemplo – necessidades de auto-estima e auto-realização.

O nosso modelo de sociedade está unicamente focado nas nossas necessidades de segurança – casa própria, poupanças e seguirmos um guião que nos é recomendado pela sociedade e que não garantindo “magia” garante pelo menos que nos encaixamos na sociedade – relação monogâmica, filhos e profissão com estatuto. Não interessa se com isso sacrificamos, as necessidades sociais, de auto-estima e de auto-realização, assumindo-se (já lá vou) que as necessidades fisiológicas são intocáveis.

A verdade é que os ritmos de trabalho absolutamente absurdos que hoje se fazem sentir em alguns casos – conheço pessoalmente exemplos – colocam em perigo as necessidades fisiológicas: Malta que se aperta um bocadinho no local de trabalho porque está a acabar um relatório para ontem, pessoas que não dormem pelo menos quatro ciclos (seis horas – que é o limiar mínimo para nos aguentarmos) pessoas cuja alimentação vai sendo conseguida mas através de refeições completamente nefastas para a saúde. E sim, o sexo é uma necessidade fisiológica pelo que também deve existir tempo para isso. Caso contrário, além de uma infelicidade extrema por não satisfação de uma necessidade fisiológica, a nossa relação provavelmente descambará e as necessidades sociais e de auto-estima idem.
 
Assim, o começarmos agora a perceber – o óbvio – de que os ritmos são insanos – e nos levam à auto-destruição (burnout, suicídios, etc) ou, em casos mais benignos, a uma preterição de necessidades básicas – sejam fisiológicas ou não – é positivo. O ponto está em que o trabalho que é feito para assegurar esse reequilíbrio parece que apenas pondera as tais necessidades fisiológicas – a pessoa ter tempo para comer como deve ser, dormir as horas necessárias, etc. Aliás, as necessidades sociais – ter tempo para ir beber uma cerveja com um amigo, ir ao cinema, ler um livro ou ir ver a equipa de futebol que se apoia – são em alguns casos ridicularizadas. Paras a meio do dia para ler? Que preguiçoso! Que luxo poderes ir beber uma cerveja às cinco com o teu amigo. As pessoas preferem queixar-se daquilo que consideram ser uma inevitabilidade: Passarem-se meses ou anos em que não nos encontramos com os nossos amigos ou não lermos um livro há séculos.
 
As necessidades de auto-estima e auto-realização são para muitos uma utopia de maluquinhos. O que interessa é a carreira estável e segura, a vida segundo o guião imposto pela sociedade, a poupança e o estatuto de se ser um Sr.Dr. Quem se queixa de não se sentir realizado é simplesmente gozado.
 
Ora este modelo de dividirmos a nossa vida entre tempo de trabalho e vida – cuja divisão em 4 dias de trabalho para 3 de “vida” me parece ser bastante insuficiente – é, do meu ponto de vista, arcaico. O que faz sentido, tendo em vista as necessidades que temos é uma mistura entre vida e trabalho. Não tem mal no sábado de manhã chuvoso vamos para o escritório enviar e-mails e responder a orçamentos ou agendamos três reuniões ao domingo à tarde. Mas talvez nos faça sentido um período de almoço de três horas para podermos estar à vontade com um amigo e fazer uma powernap. Talvez nos faça sentido não trabalhar nas sextas à tarde, ou às terças entrar às 11h porque vamos ter aulas de ténis. Um dia, para ser bom, deve ser uma mistura de várias coisas.
 
No dia que vos escrevo, acordei um pouco mais tarde, vi as notícias, tive uma reunião, depois trabalhei uma hora, almocei, tive uma segunda reunião de cerca de uma hora e meia. Parei para vos escrever este texto e a seguir vou trabalhar mais uma hora, hora e meia num grande projeto que vos anuncio em breve. A seguir vou passar num evento de um amigo, irei jantar fora e terminarei com um bom filme. Mas anteontem saí do escritório eram 23h! No sábado vim trabalhar, no Domingo trabalhei de manhã mas risquei a tarde desde que soube o horário do mundial. Na Segunda-Feira, a minha mãe fazia anos, e por isso apenas trabalhei de manhã.
Podemos discutir se sou ou não um privilegiado. Aceito isso. Sobre ser sortudo isso daria para mais um texto. Mas não interessa o que eu sou. Interessa que todos concordaremos que este é o ritmo normal. Porque razão não haveria de trabalhar no Sábado e conseguir ter a Segunda para estar com a minha mãe? Se escrever textos e partilhar ideias convosco satisfaz as minhas necessidades sociais e de auto-realização parece-me que é óbvio que tenho que ter espaço no meu dia para isso.
 
Bom estarmos a discutir o work-life balance. Anseio (espero que não 20 ou 30 anos) pela discussão dos “horários de trabalho” serem definidos também com base nas nossas necessidades. Não é pedir muito.

tmgmendonca@gmail.com

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