O sufoco
O ano-lectivo está a começar. Desde os seis anos que já se é obrigado a estar em salas de aula um dia inteiro, uma verdadeira jornada de trabalho. Com mochilas cujo peso vai aumentando proporcionalmente à diminuição do peso na carteira dos pais o tempo para brincar é completamente negligenciado. No
O ano-lectivo está a começar. Desde os seis anos que já se é obrigado a estar em salas de aula um dia inteiro, uma verdadeira jornada de trabalho. Com mochilas cujo peso vai aumentando proporcionalmente à diminuição do peso na carteira dos pais o tempo para brincar é completamente negligenciado.
No Ensino Secundário é preciso estudar muito para se entrar na Universidade. A média assim o exige.
Na Universidade os próximos 3, 4 ou 5 anos são absolutamente decisivos. É preciso estudar noites a fio para ter uma oportunidade no mercado de trabalho.
Para outros, Setembro significa o fim de uma etapa de estudo. Abandonam o trabalho de estudantes começam um outro qualquer. Seguem-se mais 3 a 5 anos em que é preciso dar tudo para convencer a empresa a avançar para a contratação definitiva ou para se passar de estagiário a associado na firma de advogados com que se sonhou.
Os 30’s ficaram lá atrás a grande velocidade. Está na hora de prosseguir no Guião e avançar-se para um ou mais filhos. Que daqui a poucos anos vão também eles ter uma mochila pesada e iniciar o seu ciclo.
Não se pode parar: É preciso trabalhar mais e mais se queremos antes dos 45 atingir um plano de destaque na empresa ou chegar a sócio na firma de advogados. Aos 45, a boa notícia: Parabéns é o novo sócio da nossa firma. Claro que isso acarreta um melhor salário, mas muito mais responsabilidades. Como dizia Robert Frost, trabalhe fielmente oito horas por dia e poderá vir a ser um chefe e trabalhar 12 horas por dia. É isso que se espera do novo sócio. Não pode defraudar quem nele confiou.
Aos 50 e poucos chegam os netos. O guião continua a ser fielmente cumprido. Num ápice os 65 anos. O cansaço de 40 anos a trabalhar mais 12 a estudar nota-se na cara enrugada e na barriga proeminente. É agora a hora de curtir a vida sucessivamente adiada pelo sufoco exigido para a completude das várias fases deste joguinho que nos é imposto.
É o último dia no escritório. Uma pesquisa rápida diz-nos que estatisticamente a esperança média de vida saudável de quem chega aos 65 é de apenas mais seis anos. Prepara-se o Gin Tónico e marcam-se as passagens para uma praia com água azul turquesa. Afinal é o que todos os outros sócios fizeram aquando da reforma.
Finalmente, o Dr. percebe que depois de uma vida no mundo dos negócios, fez o pior negócio de sempre.
Que bom teria sido ter tido tempo para aquela petiscada na festa dos 30 anos do amigo. Que bom teria sido ter tido tempo para ver a festa de final de ano da filha. Que bom teria sido ter tido tempo para fazer aquela viagem quando fez dez anos de casado. Que bom teria sido ter simplesmente ido ter com o colega da universidade e beber uma cerveja a meio da tarde. Agora, finalmente, tem todo o tempo do mundo. Até deixar de ter. Tempo e Mundo.