Solidez Financeira e Segurança
O Rodrigo, 27 anos, licenciado em Publicidade & Marketing vai a uma entrevista de trabalho numa grande empresa. O António, 54 anos, dono da empresa, vai direto ao assunto: António: Rodrigo, quanto é que gostaria de receber por mês? Rodrigo: Estava a pensar num ordenado de 2.000€ por mês. António: Porque é que eu
O Rodrigo, 27 anos, licenciado em Publicidade & Marketing vai a uma entrevista de trabalho numa grande empresa.
O António, 54 anos, dono da empresa, vai direto ao assunto:
António: Rodrigo, quanto é que gostaria de receber por mês?
Rodrigo: Estava a pensar num ordenado de 2.000€ por mês.
António: Porque é que eu lhe devo pagar esses 2.000€ por mês?
Rodrigo: Porque vai fazer um excelente negócio! Eu acredito que lhe vou gerar 20.000€ de novas receitas através da estratégia de redes sociais que vou implementar. Acredite em mim!
António: Eu acredito. Acredito tanto que a minha proposta é a seguinte: Um ordenado de 0€ por mês e fica com 33% de tudo aquilo que conseguir angariar. Se conseguir aquilo que diz ganhará 6,666€ euros o que é mais do triplo do que aquilo que pede!
Rodrigo: Não posso aceitar…é que…
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Esta entrevista é obviamente ficcionada e tem como base um exemplo num livro que estou a ler: “Segredos da Mente Milionária”. Mas podemos imaginar que muitas pessoas teriam a reação do nosso Rodrigo.
Porquê? Porque querem segurança. Para quê? Para pagar contas. As pessoas definem o seu padrão de receitas em função das despesas pré-definidas. Isto acarreta, na minha opinião, três erros:
1. A maioria das pessoas tem um quadro de despesas híper inflacionado. O estilo de vida de uma família de classe média em Portugal é muito caro. Um empréstimo para uma casa de 200.000€, trocar de carro de 5 em 5 anos e ter dois filhos, representará um investimento que, no prazo de 20 a 30 anos se aproxima do milhão de euros.
2. Psicologicamente as pessoas estão a auto-limitar as suas receitas. É mais ou menos evidente que se eu apontar para ir de Lisboa ao Gerês, mesmo que não concretize o objetivo, tenho todas as hipótese de chegar ao Porto. Diferentemente, se o meu objetivo for chegar a Santarém é impossível chegar ao Porto. Se eu apenas pensar que preciso de ter 2.000€ por mês no máximo conseguirei 2.000€ por mês e nunca mais.
3. Mentalmente a conexão das receitas às despesas é muito perigosa: Cada incremento de receita servirá para assumir uma nova despesa e não para pensar num novo investimento.
O nosso Rodrigo quer solidez. Quer segurança. E isso tem um preço elevadíssimo. Se pensarmos, rapidamente, em 10 pessoas que consideremos muito bem-sucedidas financeiramente, percebemos que a maioria delas são trabalhadores por conta própria ou donos dos seus próprios projetos. Lá aparece um médico especializado e muito reputado que ganha bastante dinheiro ou um gestor de uma grande empresa. Mas é a uma raridade. E isto porquê? Simplesmente porque quem trabalha por conta de outrem paga (e muito caro!) a solidez. E cai nessa armadilha.
Vejamos:
1. Quem trabalha por conta de outrem fica mais ou menos imune ao facto do seu trabalho gerar resultado ou rendimento. A avaliação que é feita é em função do tempo disponibilizado e não dos resultados (com raras exceções, por exemplo, dos vendedores). O nosso Rodrigo ao pretender ter um ordenado base desconexo daquilo que acha que vai conseguir impactar na empresa, pretende que lhe paguem independentemente daquilo que ele vai fazer. Ele quer ser pago pelo facto de vender 10 horas por dia à empresa. E é por isso que caímos na estupidez de termos o Rodrigo às seis da tarde a fazer F5 no Record e na A’Bola porque não pode sair antes das 20h. Não interessa se está a trabalhar. Ele é pago para estar ali disponível. Isto quer dizer que ele receberá, no nosso exemplo 2.000€ num mês que impacte zero. Já estão a ver a consequência: Num mês que impacte 20.000€ continuará a receber 2.000€. Muito caro este negócio!
2. Mas quem trabalha por conta de outrem tem aquilo que já aqui falei algumas vezes que é a cenourinha das férias. O tal negócio hediondo de 11 meses de escravatura por 1 mês de liberdade. E aqui está o aliciante mais perigoso que é dado aos trabalhadores por conta de outrem. Um docinho envenenado. Queres ir de férias? Pois podes ir sem problema. Mas mais: Vais receber um ordenado inteirinho mesmo sem colocares os pés no escritório nesse mês. Mais: Vais receber dois ordenados por não trabalhares (subsídio de férias). Quer dizer que o Rodrigo, vai estar em Agosto no Recife e a receber 4.000€ do António.
3. Mas eu também queria comprar umas boas prendas no Natal: Não te preocupes: Toma lá mais 2.000€ de subsídio de Natal. Que não te falte nada (claro que esses 2.000€ apenas vão trocar de mãos, e os 100€ que o Rodrigo gasta a comprar um brinquedo ao filho da empresa X vão depois sair dessa empresa X para o António no reforço da avença para serviços de marketing…).
Enfim, o nosso Rodrigo disponibiliza o seu tempo em 11 meses e recebe 14 meses. Aliás: Num ano são 52 fins-de-semana (vamos retirar quatro que são o tal mês de férias), por isso são 48 fins-de-semana ou seja 96 dias de folga. Mais 30 dias de férias + uns 10 feriados. O Rodrigo trabalhará 229 dias, não disponibilizará o seu tempo e 136 dias e receberá 14 meses de ordenado. Mais: Receberá sempre o mesmo ordenado, no penúltimo dia útil de cada mês. Sempre. Independentemente do impacto que gerar, independentemente da empresa precisar de investir mais ou menos, dos resultados serem melhores ou piores.
Paremos dois minutos: Quanto é que acham que esta brincadeira pode custar ao Rodrigo? Andamos todos a comer gelados com a testa? Muito, muito dinheiro.
O nosso Rodrigo nunca poderá enriquecer pelo simples facto de que está com uma despesa absolutamente escandalosa: Aquilo que gasta em segurança.
A ideia de que não podemos ter (sempre) o melhor dos dois mundos é absolutamente verdadeira. Da mesma forma que não podemos esperar ganhar lucros astronómicos numa majestosa combinação de resultados numa aposta desportiva ou numa ação de uma empresa que valoriza imenso se nunca apostarmos (não existe lucro sem risco) também não podemos esperar receber nem sequer próximo daquilo que geramos num trabalho por conta de outrem porque estamos a gastar imenso dinheiro na segurança. E cada dia que nos endividamos mais (crédito à habitação, para o carro, para o consumo, etc.) é cada dia que ficamos com menos opções e mais dependentes de escolher a segurança em detrimento do lucro.
Que essa seja uma escolha consciente.