Home / Intervenção  / A discussão do horário de trabalho

A discussão do horário de trabalho

Hoje discute-se se o horário de trabalho deveria ser menor estando na ordem do dia a passagem para 35 horas semanais também nos privados. Ou seja, 7 horas por dia.   Acho que é imenso! Uma pessoa que trabalhe sete horas, por exemplo, das 10h às 13h, e das 14h às 18h,

Horário de trabalho

Hoje discute-se se o horário de trabalho deveria ser menor estando na ordem do dia a passagem para 35 horas semanais também nos privados. Ou seja, 7 horas por dia.

 

Acho que é imenso! Uma pessoa que trabalhe sete horas, por exemplo, das 10h às 13h, e das 14h às 18h, tem uma hora de almoço num sítio onde não quer e com pessoas que não quer (local de trabalho ou nas imediações). Se perder uma hora para cada lado no trajeto e se tiver de acordar uma hora antes de sair de casa para cumprir com tarefas básicas – como ir vestido para o trabalho, beber apressadamente um café, etc. – estamos a falar de uma alocação ao trabalho (senão existirem mails inoportunos) das 8h às 19h. Com muita sorte, entre fazer o jantar, jantar e lavar a loiça (tarefas de sobrevivência ou de higiene básicas) às 21h estará pronta para dar atenção a todas as outras necessidades que tem – sejam de índole cultural, intervenção cívica, sexuais, etc. Só que, admitindo que deve dormir, pelo menos, 7h30, terá que estar a dormir à 0h30, pelo que sobram apenas 3h30 de tempo livre. Problema: O cansaço nessa altura será tão grande – e a hora tão despropositada – que dificilmente terá forças para ir escrever um livro, ir a uma reunião da associação de moradores, dedicar-se a um desporto, etc. Na melhor das hipóteses vai papar dois episódios de uma série enquanto enfarda um pacote de batatas fritas, babará para cima do sofá e, finalmente, com sorte, terá uma insípida relação sexual com o parceiro ou a parceira.

 

A solução não passa, porém, por diminuir ainda mais o horário de trabalho. Passa por não existir horário de trabalho (não falo da sacanice da isenção de horário de trabalho que a troco de umas coroas legitima o envio de e-mails às quatro da manhã). E a não existência de horário de trabalho passa pela simples assunção de que o mercado de trabalho como o conhecemos – praticamente imutável desde a revolução industrial – faliu.

 

Os fins-de-semana são depois divididos entre um Sábado onde se tem que acorrer a todos os fogos para resolver necessidades que ficaram por satisfazer durante a semana (limpeza, ir às compras, etc.) e, finalmente, o Domingo é o dia de se postar umas coisas no Instagram porque conseguimos ir comer uns caracóis à beira-rio. Até não muito tarde que Segunda é dia de trabalho.

 

Numa ideia: Toda a organização da nossa vida assenta numa hierarquia de necessidades ou de valores onde o trabalho ocupa um valor cimeiro. Mais que isso, isolado. Sem paralelo com qualquer outra necessidade.

 

A solução, quanto a mim, passa por uma mistura entre trabalho e outras necessidades. Em que, verdadeiramente, o primeiro é tão importante como ler um livro, ir ao cinema, ir ver o nosso clube de futebol ao Estádio, etc. Faz todo o sentido, que no verão, eu possa sair mais cedo do escritório para aproveitar a praia – se gosto muito – ou que nos dias de semana onde joga o meu clube possa sair mais cedo para o ir ver ao estádio. Mas não me choca que possa passar um sábado a trabalhar. Talvez, exista uma quinta-feira onde estou a ser tudo menos produtivo e mais vale que às 15h abandone o escritório e vá beber uma cerveja gelada. Mas que diabo, qual é o mal de enviar um orçamento ao Domingo?

 

green-chameleon-21532-unsplash

Faz sentido que exista um empregador papá que decida exatamente o que é que eu tenho de fazer, quando é que eu tenho de fazer, onde, em que prazo? Não posso ser eu, pessoa responsável, a decidir isso?

 

Por outro lado as férias. Um exagero. Estive nas Maldivas em Março e 5 dias foi mais que suficiente. A 2.ª Lei de Gossen diz que à medida que consumimos uma nova dose de um bem a satisfação que retiramos dessa dose é menor. Aquele primeiro dia de praia é fantástico, o segundo também, ao 12.º já é péssimo. Se tivermos sede, o primeiro copo de água é ótimo o quarto deixa-nos mal dispostos. Os períodos de férias não fazem sentido nenhum e são uma invenção para a compartimentação do nosso tempo entre trabalho e lazer. Da mesma forma que a primeira ou segunda hora de trabalho são produtivas a 10.º e a 11.º nem por sombras.

Para quem concorde – isto não é, obviamente, uma verdade absoluta – o mercado de trabalho e o contrato de trabalho é aquilo que nos devemos afastar optando por regimes mais independentes e flexíveis.

 

Não há chocolates para quem adivinhar: Para muitas pessoas é um objetivo de vida passar a ter contrato de trabalho! Porquê: Porque é vendido que o contrato de trabalho proporciona maior estabilidade.

 

Vamos esclarecer umas coisas:

i) Se a empresa não precisar de ti é indiferente teres um contrato de trabalho ou não;
ii) A indemnização a ser paga são 12 dias por cada ano de trabalho. Se trabalhaste de Maio de 2014 a Maio de 2018 e recebes 700€ por mês, a indemnização é um pouco abaixo dos 1.200€.
iii) O que proporciona estabilidade é a capacidade de fazer a diferença.
iv) Last but not least, porque raio é importante a estabilidade?

E aqui vamos ao próximo passo: É importante porque “preciso de pagar contas”. Apenas por isso. Então, para estas pessoas, o objetivo deveria ser, no curto prazo, diminuir as contas, ou melhor, o endividamento, as despesas estruturais. Do ponto de vista da solidez é indiferente se uma pessoa paga uma renda de 3.000€ porque no “mês seguinte” pode passar para 400€. Mas não é indiferente se tem um crédito à habitação onde paga 800€.

 

Curiosamente, as pessoas em vez de procurarem diminuir os investimentos mais significativos e permanentes (casa própria, carros e, perdoando-me o leitor a crueza, os filhos) concentram precisamente para aí os seus objetivos de vida. Casa, Carro e Crianças. Obviamente, que a partir daí está montada a armadilha: As pessoas precisam de facto daquele trabalho para pagar essas contas – embora, mesmo aí, possam ser criativas e, por exemplo, iniciar um trabalho por conta própria que a pouco e pouco se torne a principal fonte de rendimento.

 

Assumimos finalmente que é mentira que as pessoas achem – como é óbvio – o trabalho mais importante que qualquer outra coisa. É tão relevante ter três reuniões de uma hora ou ter três aulas de espanhol ou três horas num workshop de culinária. Tudo se resume ao problema das contas.

 

Então é uma espécie de rapto: Se raptarem o nosso filho e nos pedirem para roubarmos, para agredirmos, para darmos todo o dinheiro amealhado não pestanejamos. Se nos ameaçarem que perdemos a casa senão estivermos 10 horas com o rabo sentado numa cadeira, aceitamos o negócio. E no fundo a relação laboral tornou-se nisto, num rapto: Para que os 1.000€ tilintem na conta todos os dias 27’s tens que fazer o que eu mando. Se te portas mal, out. E aqui e ali, umas cenourinhas para dourar a pilula: 22 dias de férias – zero trabalho num mês, dois ordenados – o tal contrato que concede indemnizações em caso de despedimento absolutamente irrisórias, etc.

 

Mas não nos iludamos nem gastemos um segundo do nosso dia a criticar o sistema, o governo, o patrão ordinário ou a cabra da chefe. Fomos nós que, em primeiro lugar, nos colocámos em cativeiro.

 

E é por isso que nos cabe a nós sair desse cativeiro. É, portanto, absolutamente necessário que hoje mesmo comece a ser trilhado um plano de fuga. É isso que proponho.

 

tmgmendonca@gmail.com

Review overview
NO COMMENTS

POST A COMMENT