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A armadilha do dinheiro ou um problema mental?

Quando um tipo de 23 ou 24 anos chega ao mercado de trabalho não chega a zeros. Muito pelo contrário. Chega bem no “vermelho”. É que foram cinco ou seis anos de licenciatura mais mestrado que representam um investimento muito grande. Nem me refiro aos custos explícitos mas muito mais

A armadilha do dinheiro

Quando um tipo de 23 ou 24 anos chega ao mercado de trabalho não chega a zeros. Muito pelo contrário. Chega bem no “vermelho”. É que foram cinco ou seis anos de licenciatura mais mestrado que representam um investimento muito grande. Nem me refiro aos custos explícitos mas muito mais aos implícitos. A tudo aquilo que se deixou de fazer (e de ganhar!) durante o tempo em que se estudou.

 

Chegado aqui o nosso “João” como qualquer viciado em jogo quando está num casino só está preocupado em recuperar o investimento. Este é um primeiro problema: As pessoas olham para a formação académica como um investimento e um passaporte para uma carreira e não como um fim em si mesmo. Algo gratificante. Noto muita diferença quando tenho um aluno já com alguma idade que está a fazer o curso para aprender e não com a ideia de ir trabalhar num escritório de advogados. Era conveniente o João perceber que dificilmente irá recuperar esse investimento. E que por isso não deve deixar que isso o condicione na sua abordagem ao mercado. Mas quase sempre condiciona.

É lhe proposto um estágio não remunerado ou muito mal remunerado. Já estive seis anos a gastar dinheiro para aprender porque não mais uns meses? Ou até um ano? E o João lá aceita. Evidentemente que nenhum sítio que simplesmente não tem ou não quer gastar dinheiro com um trabalhador vai depois, milagrosamente, contratar esse trabalhador pagando-lhe. Em regra ele não será convidado a continuar. Ou, na melhor (??) das hipóteses se se esfalfar imenso terá uma oferta para continuar pelo salário mínimo. Aqui está mais um problema mental: A ilusão de que se está a dar um passo significativo na emancipação financeira. É simplesmente mentira.

 

Antes de entrar na Faculdade trabalhei um par de meses na Phone House apenas ao fim-de-semana. Creio que seriam umas 24 horas de trabalho semanais e ganharia (em 2006) talvez 400 ou 450 euros. O que quer dizer que teria um ordenado – correspondendo às 40 horas semanais – de uns 700 ou 750 euros. Foi isso que perdi quando entrei na faculdade. Logo um ordenado abaixo disso significa que continuo no vermelho. A menos que seja uma questão de estatuto (outro condicionalismo mental): Se estiver disposto a, num espaço de 30 anos, ter perdido 2.000€ por ano com este diferencial a acumular ao investimento da licenciatura e mestrado porque é mais giro dizer que sou engenheiro do que vendedor de telefones é comigo. Mas pagar (ou ter deixado de ganhar) 100.000€ numa carreira profissional por estatuto é capaz de ser caro.

 

Mas existe ainda um outro – e talvez mais terrível – condicionalismo. Que é quem recebe de forma relativamente decente. Quando alguém diz que no seu estágio de advocacia ganhava 1.000€ as pessoas ficam de boca aberta considerando que é um excelente ordenado. Será? Destes 1.000€ passamos a 750€ com a retenção na fonte. Mais 150€ em custos para ir trabalhar. Estamos nos 600. A uma média (muito benigna) de 200 horas por mês, estamos a falar de 3€ à hora. Menos de metade do que qualquer trabalhadora doméstica recebe. Oito vezes menos do que o meu barbeiro faz numa hora. Mais: Mesmo que façamos a conta aos 750 euros, vá, metam 800 euros, estamos a falar de 4€ à hora. Na Phone House quando era: 400/96 dá 4,16€ à hora. Continuo a afundar-me no vermelho.

 
Alex van der Zwaan leaves Federal District Court in Washington, Tuesday, Feb. 20, 2018. Van der Zwaan has been accused of lying to investigators about his interactions with Rick Gates, who was indicted last year along with Paul Manafort, President Donald Trump's campaign chairman, on charges of conspiracy to launder money and acting as an unregistered foreign agent. (AP Photo/Susan Walsh)
 

Mas vamos para valores completamente inacreditáveis: O nosso João é um engenheiro de topo e chegam-lhe à conta 2.500€, o que significa, que tem um ordenado a rondar os 5.000€. Mesmo que faça 200 horas por mês estamos a falar de um valor/hora de 12,5€. Continua a ser menos que o barbeiro em…meia hora. Mas existe um derradeiro problema: É que as horas despendidas não valem todas o mesmo.

 

Hoje, Sexta-Feira fico por caso a organizar coisas e a preparar a próxima semana. Se me ligarem para ir dar uma explicação de 1 hora às 4 da tarde até às 5 e depois sigo direto para o Espanhol o custo dessa hora é muito baixo. Mas se ontem me pedissem para ficar mais uma hora das 21h às 22h, e com isso já não conseguir apanhar os meus sobrinhos acordados ou não jantar com os meus pais o custo dessa hora é altíssimo. E é por isso que não é igual trabalhar 24 horas num fim-de-semana e ter a semana toda livre do que trabalhar sistematicamente 10 ou 12 horas por dia e sempre com o fantasma da noitada ou do fim-de-semana no horizonte. Conheço pessoas que com bilhetes de viagens compradas para um fim-de-semana grande tiveram que cancelar por um “trabalho de última hora”.

Em resumo: 

 

1. As pessoas (algumas!) não aproveitam o momento. A formação não serve para aprender mas, pelo contrário, estão obcecadas com o facto dessa formação ser um passaporte para algo.

 

2. Não entendem que existem custos históricos – portanto irrecuperáveis – e que não devem estar presentes em qualquer ponderação que tenha a pretensão de ser racional.

 

3. Pensam como um viciado em jogo ao aceitarem estágios não remunerados ou perto disso. Perdido por 100 perdido por 1.000 e vamos lá tentar a sorte.

 

4. Estão disponíveis a pagar verdadeiras fortunas para preservarem um certo estatuto social. Pode chegar à casa das centenas de milhares. 100.000€ dá para 50 viagens à Islândia com tudo incluído ou para 200 viagens a Londres com tudo incluído.

 

5. Deixam-se impressionar pelo valor absoluto que recebem e não pensam no valor/hora que é o mais importante.

 

6. Consideram que as horas têm todas o mesmo valor e isso é simplesmente mentira.

 

Não existe nenhuma razão para alguém desta nova geração – entre os 20 e os 35 – não invista algum tempo a reverter estes problemas mentais de forma a não cair na armadilha do dinheiro. Temos todas as ferramentas disponíveis. Uma sorte imensa porque hoje temos possibilidades que a geração anterior não tinha. Vamos a isso!

 

tmgmendonca@gmail.com

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