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Porquê?

Quando eu era pequeno a minha mãe comprava-me sempre os livros da coleção “Porque Será que…”. Cada livro abordava uma determinada área, por exemplo, porque será que as flautas têm buracos e outras perguntas sobre música ou porque será que a barriga faz barulho e outras perguntas sobre o meu

Quando eu era pequeno a minha mãe comprava-me sempre os livros da coleção “Porque Será que…”. Cada livro abordava uma determinada área, por exemplo, porque será que as flautas têm buracos e outras perguntas sobre música ou porque será que a barriga faz barulho e outras perguntas sobre o meu corpo. Talvez isso tenha contribuído decisivamente para o facto de estar sempre a questionar tudo e a não me resignar com verdades definitivas, ideias preconcebidas ou estradas de caminho único. Tenho uma enorme dificuldade para aceitar tudo aquilo que não consigo compreender e sou incapaz de aceitar uma resposta do género: “É assim porque eu quero, ou penso isto porque sim”.

 

Li como já escrevi aqui o livro “Quem mexeu no meu queixo” e li agora o “Fui eu quem mexi no teu queijo”. Na primeira fábula trata-se de aceitar a mudança e o facto de permanentemente o queixo estar a mudar de sítio no segundo livro questionava-se quem e porque motivações o queixo teria sido mudado. Muitos observam o segundo livro como uma crítica ou um rebate ao primeiro a mim pareceram-me complementares. Aconselho ambos.

Ao longo de muitas conversas tenho experimentado que as pessoas têm uma enormíssima dificuldade em responder à simples pergunta: Porquê?. Uma esmagadora maioria das pessoas não consegue responder ou responde de forma pouco clara e imprecisa. Tenho também reparado que o sucesso costuma acompanhar quem consegue responder com maior facilidade a essa pergunta.

 

No outro dia conversava com uma professora que me dizia que não raras vezes os alunos dizem que querem ter um 20 ou um 19 mas que poucos são aqueles que conseguem explicar a razão pela qual querem ter essa classificação. Muitas vezes pergunto aos alunos que acompanho o que querem fazer com a licenciatura, o que planeiam fazer depois do curso, qual é a importância da média. E tenho observado duas tendências. Alguns não têm qualquer ideia do que pretendem fazer a seguir. Isso é meio caminho andado para o insucesso. Considero extraordinariamente difícil motivar-me para percorrer 25 km senão sei qual é o objetivo desses 25km (pode ser apenas descontrair – jogo FM com nenhum objetivo a não ser lazer…). Outros têm uma ideia tão estanque que quando as coisas não correm dentro do estreito espaço que delinearam acabam por colapsar.

 

Considero que é muito importante reportarmo-nos a objetivos. Vários de preferência e em áreas muito diferentes. A falta de um objetivo torna impossível o sucesso na medida em que provavelmente vamos caminhar em círculos sem qualquer rumo. Por outro lado, existem um conjunto de pessoas – talvez a maioria – que está, vou dizer assim, descalibrada. Quer dizer, centram o foco em meios de atingir objetivos e não em objetivos. O caso clássico do dinheiro. Existem pessoas cujo objetivo de vida é enriquecer mas não têm qualquer objetivo no que fazer com o dinheiro. Os euros são apenas uma forma de satisfazermos as nossas necessidades. Podemos assumir com que mais dinheiro vamos satisfazer mais necessidades ou satisfazer melhor as mesmas necessidades. Mas temos que saber o que queremos! Enriquecer por enriquecer não significa grande coisa. Imaginemos que uma pessoa tem que dormir seis horas por dia. Se trabalhar por sistema 18 horas por dia que lhe adianta ter na conta 500.000€? Existe ainda um terceiro conjunto de pessoas cujos objetivos que determina não passaram pelo crivo do “Porquê”. São aceites de forma acrítica sem qualquer análise, rápida que seja, de se esses objetivos são ou não adequados à sua ideia de felicidade. Aqui, destaco os filhos.

 

No outro dia lia uma notícia que foi feita uma investigação de que o impulso natural das mulheres ao contrário do que se pensava não é o da maternidade ou da constituição de família. Porque será que talvez 99% dos casais optem por ter filhos? Será de acreditar que 99% dos casais tenham uma enorme e esclarecida vontade de ter um filho com tudo o que isso implica? Será que se fosse possível – perdoe-me o leitor a crueza – de tomar essa decisão com todos os dados em cima da mesa os números continuariam a ser o mesmo? Ou será que essa decisão por se ter banalizado – existe uma enorme (e fundada, pela necessidade de preservação da espécie) pressão social para ter filhos – tornou-se numa das três ou quatro decisões de vida que nem se pensam? Não me custa admitir que para uma parte muito significativa das pessoas ter filhos seja um objetivo definido de forma livre e esclarecida. Mas, será possível que seja para a percentagem de pessoas que hoje têm filhos? Ou será que é na falta da capacidade de definir objetivos as pessoas se agarram aquelas que a sociedade oferece (monogamia, carreira, filhos, etc.)? Será que se a decisão passasse por todos os crivos do “Porquê” não passaríamos de uma proporção de 99-1 de casais com e sem filhos (por opção) para algo como 50-50?

 

A maioria das pessoas às quais pergunto qual é o objetivo no curso dizem-me: “Ter uma média igual ou superior a 14”. A segunda pergunta é necessariamente esta: “Para quê?”. Aqui muitas pessoas já não respondem. Como se conseguem motivar para essa média senão sabem para que a querem? Outros dizem (doce ingenuidade…): Para entrar numa grande sociedade. É um objetivo que considero intermédio. A minha fotografia num site de uma grande firma de advogados não me traz qualquer felicidade a não ser que seja um snob. Pergunto: Porquê uma grande sociedade? E normalmente neste momento já muito pouca gente responde. Alguns alvitram: Para ganhar bem (mais uma vez, doce ingenuidade). Se arriscar um: Ganhar bem para quê? Ficarei provavelmente a falar sozinho.
Esta incapacidade de definir objetivos – porque não se responde a estas perguntas básicas – leva a que as pessoas fiquem completamente obcecadas para “comprarem” um plano de vida que as normas sociais desenharam. Só que se trata de um fato que obviamente vai ficar desajustado. Pode acontecer que alguém se realize dessa forma, mas muitas pessoas vão sentir mais cedo ou mais tarde que aquelas opções não se traduzem em felicidade para aquela pessoa concreta. E isso é fácil de compreender. É que todos somos, por natureza, anormais. Fugimos à norma. Mas só estamos bem se nos agarrarmos à norma.

 

Qual é o grau de satisfação que me dá ver um Manchester United – Southampton às 3 da tarde de um sábado? Qual é o grau de satisfação que isso dará à minha mãe? Eu adoro Guacamole, a Mariana odeia. A Mariana prefere pipocas doces eu salgadas. O meu irmão joga muito bem à bola, eu jogo muito mal. O meu pai resolve qualquer problema que possam imaginar que se passe numa casa. Eu não sei abrir o capot do carro. Tenho uma aluna que gosta de se levantar às seis da manhã e estuda bem é pela fresquinha. Outros preferem mergulhar a noite dentro. O meu amigo Jorge é do Sporting, o meu amigo Miguel é do Porto e eu sou do Benfica. O Jorge e a Cátia tiveram o bolo de casamento após o jantar já o dia era longo. A Marta e o Diogo tiveram logo à saída da igreja. E o Miguel e a Rita nem quiseram o típico bolo de noiva e tiveram uns ótimos brigadeiros. Somos todos muito diferentes! O que nos faz feliz é imensamente diferente. Os nossos porquês são diferentes.

 

Devemos sempre colocar em questão as nossas ações. Devo ou não aceitar aquela proposta de emprego? A resposta torna-se fácil se nos perguntarmos qual é a razão pela qual eu quero ou preciso daquele emprego. E a resposta nunca pode ser porque preciso do dinheiro porque o dinheiro é um meio, não é um objetivo. Eu preciso dinheiro para concretizar sonhos. Por isso eu devo aceitar aquele emprego se aquela forma melhor forma de concretizar esse sonho. Eu quero ter um curso muito abrangente que me permita despertar para áreas diversas: Direito parece-me bem. Eu quero tirar Direito para ser rico é, além de uma mentira, um não objetivo. Ou quero tirar Direito porque ainda vai tendo saída, ou porque ser advogado dá estatuto. Isso vai levar a que a prazo exista uma desconformidade entre a nossa vida e a nossa felicidade. Esse conflito levará a um clima depressivo.

Por aqui criei um campeonato de tarefas domésticas com a Mariana – aliás copiado selvaticamente da Rita e do Miguel. Cada tarefa tem uma pontuação e no final do mês quem perder deposita uns euros correspondentes aos pontos de diferença para uma poupança com determinado objetivo. Essa pequena competição – com um objetivo bem definido (comparticipar o menos possível a poupança comum) e a própria realização desse mesmo objetivo – pode ser uma viagem, um workshop, um eletrodoméstico, um jantar a dois… – levou a que cada eu me esforçasse muito mais e fizesse muito mais coisas.

 

Acabei o texto. O que vou fazer a seguir? Estender a roupa. Porquê? Bem…vocês já sabem

tmgmendonca@gmail.com

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