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Tempo Livre? O que é isso? – 11 meses de horror por um mês de férias. A nossa cenourinha.

Andamos a ver tudo ao contrário. Vamos imaginar que é aceitável – isso daria para mil outros post’s – trabalhar oito horas por dia. Ou melhor, porque assim é que deveria ser colocada a questão ter oito horas do meu dia alocadas ao trabalho. Nesta contabilização é óbvio que temos de contar

Andamos a ver tudo ao contrário.
Vamos imaginar que é aceitável – isso daria para mil outros post’s – trabalhar oito horas por dia. Ou melhor, porque assim é que deveria ser colocada a questão ter oito horas do meu dia alocadas ao trabalho.
Nesta contabilização é óbvio que temos de contar o tempo que perdemos a transportar-nos para o trabalho e, em alguns casos, a ficarmos especialmente vestidos para o trabalho que vamos desenvolver. É óbvio que o momento do almoço não é um momento livre e de liberdade porque vou ter de estar a almoçar num sítio que possivelmente não quero e com pessoas que não quero. E, claro, tenho que contabilizar o tempo que volto a regressar a casa para fazer aquilo que me apetece.

 

Imaginando um tempo médio de 1h30 para almoço e 1h30 para transportes, não faz sentido mais de 5 horas no escritório. (Aliás, está provado que por cada 8 horas apenas 3 são produtivas).
Se assim for o horário de trabalho poderia bem ser 9h30 sair de casa e chegar as 10h15, trabalhar 3 horas até às 13h15, almoçar até às 14h45 e sair às 16h45, admitindo que se voltaria a estar em casa às 17h30. E dessa forma estar-se-ia a cumprir o pressuposto 8/8/8 (oito horas de sono, oito horas alocadas a trabalho, oito horas de lazer).

 

Aqui entra um segundo problema: Nós consideramos que tirar uma hora por dia para escrever uns textos, uma hora por dia para ler um livro, uma hora por dia para ir ao ginásio ou uma hora por dia para jogar um vídeo-jogo são hobbies. Uma espécie de bónus que podemos ter como troca da obediência à disciplina e ao rigor do trabalho. Não faz sentido. Ler um livro é absolutamente fundamental no processo de evolução humana. Como o é qualquer outro meio de enriquecimento cultural. Fazer desporto uma questão de saúde pública. Ter tempo para simplesmente conversar com a família algo absolutamente prioritário. Porque é que deve ser considerado mais importante responder ao cliente X hoje – quando ele pode ter a resposta perfeitamente depois de amanhã – em vez de irmos correr? Porquê que hierarquizamos desta forma as coisas?

 

O que nós fazemos é algo bem diferente: Sair de casa cedinho pelas 8h para entrar no trabalho às 9h ficar por lá até as 13h, em condições normais conseguir ir almoçar até às 14h30 nas imediações do local de trabalho e com os colegas de trabalho, regressar às 14h30 e ficar, em dias normais, até às 19h. Voltamos a chegar a casa às 20h, fazemos o jantar até às 20h45, e acabamos de jantar 21h30. Arrumar a cozinha e lavar a loiça são 22h. Se nos tivermos de levantar às 7h30, significa que apenas poderemos ficar acordados – no máximo mais duas horas. Mas estamos, de facto, tão cansados, que não vamos ter tempo “livre”. Não temos capacidade de ir ler um livro, de ir à reunião do partido, de ir correr, de ir visitar um amigo. Vamos, provavelmente, esparramar no sofá e consumir duas ou três séries sem qualquer sentido e limitarmo-nos a recuperar energias para voltarmos a trabalhar no dia seguinte. Não é tempo livre. É ainda tempo de trabalho porque é essencial para podermos retomar ao trabalho (P.S. – não coloquei nesta hipótese o que representaria na gestão diária ter, por exemplo, um lindo casal de filhotes…).
O que a maioria das pessoas fazem é simplesmente trabalhar (reparem que falei num horário 9h-19h com 1h30 de almoço). Não têm qualquer tempo livre. Em limite o fim-de-semana – quando não surge algo extra.

 

Só que após cinco dias desta rotação o sábado é o dia de recuperar a sério as energias. Fica-se até mais tarde na cama, porque ganhamos qualquer coisa vamos dar ao luxo de ir tomar o pequeno almoço fora. E é aqui que vamos ter que fazer um conjunto de coisas que ficaram por fazer durante a semana: Ir comprar uma roupa, ir pagar umas contas, responder a uns e-mails, ir ao IKEA tratar da mesinha de cabeceira que já se fala há meses. O Domingo, sim, é o dia livre. Normalmente o dia da família. Mas a verdade é que quando chega ali a meio da tarde já estamos com uma certa dor de barriga, uma náusea, uma tristeza inexplicável porque sabemos que segunda começa tudo de novo. Um certo pânico da segunda-feira. Que tem como correlativo uma histeria das sextas.

 

De facto, como já escrevi aqui outras vezes, nós andamos a fazer um péssimo negócio: Andamos a trocar 11 meses de infelicidade por 1 mês de férias pagas. Uma espécie de cenourinha em frente dos burritos. Mês esse onde nos vingamos do mundo. Enchemos o nosso feed de fotos de águas clarinhas, e descarregamos nos trabalhadores sazonais as nossas frustrações do ano inteiro. É a nossa vingança contra o mundo.

 

Existem várias razões para a maioria das pessoas não quererem, de facto, romper com isto.
– Uma delas é porque dá trabalho. Muito mais trabalho do que fazer a mesma coisa todos os dias à frente de um computador – cuja utilização é em 50% para ver os desportivos. Uma vez. E outra. E outra. Desde que tenho o meu projeto pessoal trabalho muito mais, mas mesmo muito mais, do que no escritório de advogados. Estou é menos tempo no escritório.
– A segunda razão é porque nós nos temos em má conta. Ah, isso não é para ti. Ah, se isso fosse bom já outra pessoa o teria feito. Ah, isso é um grande risco. Nós achamos que estamos destinados a estar neste ciclo. Existe uma questão cultural.
– A outra é a propalada estabilidade. Como se pudesse ser mais estável dependermos de outra pessoa do que de nós próprios. Isto é o maior mito de sempre. Se eu trabalhar numa empresa estarei sempre dependente a que o empresário um dia acorde e diga: “Huuum, quero mandar tudo à fava. Vou ser pescador de bacalhau na Noruega. Adeus”. E pronto, estou despedido. Mas mesmo não sendo tão radical, a verdade é que não faço puto de ideia se as coisas vão bem ou mal na empresa. Se for ser o próximo a ser despedido ou não.
– O estatuto. É melhor ser “economista na empresa X”, “advogado no escritório Y”, do que fazer qualquer outra coisa que seja difícil de explicar. Nos casamentos e nos aniversários é mais prestigiante ficar-se agarrado a essa profissão.
– E por fim as tais cenouras: Ah, sempre tens férias pagas. Ah, tens aqui este dinheirinho para estoirares em prendas de natal e te ajudar nessa tal cenoura que são as férias.
Enfim, demorei 30 ou 35 minutos a escrever isto. É mais importante/gratificante/estimulante do que 90% das coisas que se fazem num escritório. Porque razão tem que ser visto como um “hobbie” no sentido de ser um extra à vida “normal”? Não consigo compreender. Está tudo ao contrário.

 

Nós devíamos trabalhar na exata medida do necessário para conseguirmos fazer o manancial de coisas mais importantes que temos que fazer. Pelo contrário andamos a trabalhar de maneira louca na expetativa que nos sobrem cinco minutos para fazer essas coisas mais importantes. É estranho. E perigoso!

tmgmendonca@gmail.com

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