O triângulo da amizade – Fundamentalidade, Genuinidade e Exigência.
Tenho para mim que o “nomadismo” é uma bastante melhor opção que o “sedentarismo”. Se me perguntarem um trabalho durante 10 anos ou 10 projetos durante um ano aposto na segunda. Gosto de viajar e conhecer coisas novas gosto de um certo desprendimento que me permita pelo menos ter a
Tenho para mim que o “nomadismo” é uma bastante melhor opção que o “sedentarismo”. Se me perguntarem um trabalho durante 10 anos ou 10 projetos durante um ano aposto na segunda. Gosto de viajar e conhecer coisas novas gosto de um certo desprendimento que me permita pelo menos ter a possibilidade de mudar a agulha e zarpar para onde mais me apetecer.
Contudo, parece-me que mesmo pensando apenas no sucesso dessas aventuras nómadas é fundamental termos aquilo que designo por “rochedo de estabilidade”. O ponto inamovível e que nos garante uma estabilidade emocional, sentimental e relacional que nos permite encarar com um dinamismo reforçado esses empreendimentos.
Creio que todos nós temos uma sensação boa quando após uma viagem incrível, num sítio onde já contamos os dias para voltar, regressamos a casa. O pisar o solo português, aquela saída do aeroporto o reencontro com os nossos mais próximos proporcionam uma sensação de segurança que são dificilmente transponíveis em palavras.
Esses são o que chamo de rochedo de estabilidade. A família e os amigos. Por um lado, o garante de que as nossas necessidades emocionais, relacionais, sentimentais estão amplamente supridas e que, portanto, não nos temos de preocupar com isso dedicando-nos às nossas tarefas empreendedoras. Por outro lado, um referencial de estabilidade, um ponto de referência. Para não nos perdermos.
Colocando as coisas talvez egoisticamente, a verdade é que a estabilidade pessoal anda, normalmente, a par e passo com os sucessos profissionais. Do ponto de vista biológico está hoje provado que o humano forçou o abandono do seu impulso genético que passava pela poligamia em troca da monogamia precisamente por questões de “inserção social”. O conceito de família parece que fica mais equilibrado no contexto de relações monogâmicas. Assumir isso (ainda que desse pano para mangas detalhar o assunto) é no fundo o assumir a importância da existência de um rochedo de estabilidade.
Mais do que a ideia de casa “física” creio que é fundamental a nossa casa sentimental. Um bom enquadramento familiar e um grupo de bons amigos creio que são decisivos para uma vida completa e bem-sucedida. É completamente diferente um crescimento enquadrado num grupo de amigos “desviantes”, sem foco, descomprometidos com a aprendizagem e com o sucesso de um outro que compagine um conjunto de pessoas com um quadro de valores que propicie o nosso crescimento pessoal.
A amizade é algo de absolutamente genuíno. Diz-se por vezes que os amigos são a família que escolhemos. Contudo, tendemos a confundir ser-se genuíno com irracionalidade. Acreditamos que os amigos “estão sempre lá” independentemente de tudo. Achamos que agora que temos uma nova namorada podemos ficar vários meses sem marcarmos uma jantarada que quando ela nos mandar à fava os amigos vão lá estar sem reservas. Agora que temos filhos podemos criar uma espécie de casulo triangular com a mulher e o filho deixando os amigos completamente fora da nossa arquitetura sentimental. Agora que conhecemos meia dúzia de tipos porreiros no novo trabalho deixamos os amigos da universidade “congelados” esperando que lá estejam se decidirmos voltar.
As amizades não podem ser cronometradas, escalpelizadas. Não deve existir uma fórmula que meça o deve e o haver. Todas as relações de amizade são altamente desequilibradas. Existe sempre um amigo que dá mais boleias que o outro, um amigo que fala mais do que o outro, um amigo que vai mais a casa do outro, o que se atrasa sempre, o que se desmarca constantemente, o que raramente atende o telefone (muitas vezes sou este!) e as amizades beneficiam dessa diferença. Crescem pela compreensão dos pontos fortes e fracos do outro, distantes de uma qualquer mágoa ou ressentimento por momentos mais infelizes.
Claro que existem sempre momentos mais ou menos fundamentais. Não estar presente no casamento do amigo tem um peso que não se relaciona com não estar presente numa futebolada qualquer. Ir ver o amigo ao hospital tem uma relevância diferente do que desmarcar um almoço a 30 minutos do mesmo suceder. E por aí fora.
Agora quem afirmar que uma amizade não envolve exigência e, claro, “sacrifícios”, não fala verdade. Acho que além dos amigos serem fundamentais e da amizade ter uma origem absolutamente genuína esta última linha do triângulo – a exigência – é fundamental.
Do meu ponto de vista não é preciso estar com um amigo diariamente, nem semanalmente, nem sequer mensalmente, para se ser amigo. Longe disso. Para mim o amigo é aquela pessoa que se sabe que está sempre lá. De forma incondicional. Que renuncia ao seu conforto, que se for necessário se prejudica em nome desse amigo. E que o faz, precisamente, de forma genuína, de forma natural, simplesmente, porque se é amigo.
O amigo que vem sair connosco para a discoteca X, todos os sábados, porque lhe apetece imenso ir sair e, em consequência disso, vai passar umas horas connosco não se está a dar por nós. Está a participar numa atividade que lhe apetece e que nos apetece. Quando eu vou (raras vezes) a uma futebolada com amigos estou a ir porque me apetece jogar futebol. Quando eu vou com um amigo ver o Benfica, a mesma coisa, apetece-nos aos dois ir ao jogo. Não digo que isso não seja importante. É.
Mas o que nos fica são aquelas atitudes em que o tipo X, ou a rapariga y teve uma atitude fantástica que jamais esqueceremos. E normalmente essas atitudes são de profundo altruísmo, exigentes, que implicaram que essa pessoa renunciasse ao que lhe convinha mais, que ficasse por baixo para que a outra pessoa ficasse melhor. Por vezes não é preciso muito, apenas estar atento às coisas que realmente importam.
Creio que a essência da amizade passa por este triângulo: Os amigos são fundamentais e ao lado da família são o nosso rochedo de estabilidade. O nosso referencial, a nossa bússola indispensável no regresso das nossas aventuras empreendedoras. Partem de uma premissa de genuinidade, porque os escolhemos de forma livre e porque se cristalizam ao longo de muito tempo – não dá para “fingir” durante imensos anos. E a amizade é exigente, porque a distinção entre um verdadeiro amigo e alguém com quem nos damos em função de situações circunstanciais é precisamente essa pessoa estar lá em qualquer circunstância, debaixo de sol ou de chuva, fazendo muitos ou poucos km para nos ver. É o aceitar de bom grado e de forma genuína prejudicar-se em nosso benefício.
Conservem o vosso rochedo de estabilidade!