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Faleceu o Doutor. Causa da Morte: O Trabalho. Culpados: Todos!

Hoje foi publicado no Observador um fantástico artigo sobre o Burnout que é definido por uma psiquiatra citada nessa publicação como “um esgotamento físico e mental que está ligado ao exercício da profissão em condições desgastantes”. Praticamente 14% das pessoas ativas em Portugal estavam em 2016 em situação de burnout. Podemos simplificar sem

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Hoje foi publicado no Observador um fantástico artigo sobre o Burnout que é definido por uma psiquiatra citada nessa publicação como “um esgotamento físico e mental que está ligado ao exercício da profissão em condições desgastantes”. Praticamente 14% das pessoas ativas em Portugal estavam em 2016 em situação de burnout. Podemos simplificar sem pretensão de um excessivo tecnicismo: Estavam esgotadas. Desligadas. Incapazes de fazer o que quer que fosse. Como um telemóvel que deixamos ir até ao fim da bateria e que se desliga completamente. 14%. Num grupo de 10 amigos entre 1 e 2 estavam nesta situação. Mais de 50% das pessoas considera ser comum o stress no trabalho.

 

Julgo que e, . E não estou a exagerar. A imposição de um ritmo de trabalho a níveis de tal forma elevados que leva a pessoa ao esgotamento além de ser uma prática desumana e causadora de um conjunto alargadíssimo de doenças é potencial causadora da morte. Seja uma morte no médio/longo prazo em virtude dessas doenças seja no próprio curto prazo com o número galopante de suicídios que têm acontecido. A OMS estima que existem mais suicídios que o número de homicídios adicionado do número de mortes em virtude de tragédias naturais. Não podemos tolerar nem mais um segundo a banalização da “noitada”, o trabalho ao fim-de-semana de forma sistemática, enfim, a loucura da direta para acabar a porcaria de um projeto.

 

Mas se qualquer ser humano (sim estou a excluir uma boa parte de mentecaptos que não merecem esse rótulo) considera que trabalhar 16 horas por dia é um ritmo absolutamente infernal – e começa, devagarinho, a aparecer uma consciência de que estão a passar todos os limites – creio que existem outros perigos maiores que esses que passam nos intervalos da chuva. Estou convencido que a maior parte dos problemas que levam a estas situações de depressão ou esgotamento não passam pelo excesso de trabalho mas por condições de trabalho absolutamente nojentas. Às vezes até é por falta de trabalho.

 

Este artigo publicita um estudo que comprova isso mesmo: 41% do stress no trabalho é causado pelo volume de trabalho. Mas, depois, 33% referem que a causa de stress é a falta de apoio para o cumprimento das suas funções, 16% falam da falta de oportunidade para gerir a própria forma como trabalham e 23% apontam situações de assédio moral como estando na causa do stress.

 

As pessoas são humilhadas em frente de outros colegas. Porque deram um erro de português, porque não tomaram atenção a um e-mail, porque optaram por uma tonalidade de azul mais clara do que mais escura do 56.º power point que estavam a fazer. Porque naquele dia não levaram gravata para uma reunião. Porque são obrigadas a ficar com o rabo alapado a uma cadeira mesmo que não tenham trabalho nesse dia porque devem ser os primeiros a entrar e os últimos a sair. Isso tudo é assédio moral. E é causa de burnout que é causa de morte. Mas também a impossibilidade de se estabelecer o próprio horário, obrigarmos as pessoas a entrarem e saírem às mesmas horas e a ficarem horas infindáveis no trânsito, a não poderem colocar uma tarde de folga para irem ver um tio que não visitam há muito ou para ir ver o teatro onde está o filho – mesmo que se comprometam a acabar a porcaria do projeto em casa – é “não darem oportunidade de gerir a forma como trabalham”. E, sim, o chefe que insistentemente corrige tudo o que fazes, alterando vírgulas, alterando pontos finais, trocando as tuas palavras por sinónimos, mesmo que te dê uma pancadinha nos ombros e diga que está tudo impecável e que era um problema de “wording” tudo isso é causador de stress e de esgotamento. Não é só trabalhar muito! É tudo isto.

 

O Burnout não é uma coisa de um dia para o outro. É uma escala. Passamos da excitação do novo trabalho até ao suicídio. O artigo fala de 12 pessoas de uma extremidade à outra.

 

Burnout

 

No passo um é a necessidade de me destacar de ser melhor do que os outros. De ter que dar tudo. No passo quatro, é o assumir de que o stress já se apoderou de nós mas que é uma inevitabilidade. Tenho de trabalhar para pagar contas. O que faço eu se me despedir? Mas eu consegui um emprego na área em que queria? Que diriam os meus pais se abandonasse o escritório de advocacia após tantos anos a cursar direito? Não, o stress faz parte da minha vida e eu vou conseguir não cair. Vou aguentar. E todos nós à volta a dizer para o nosso amigo ser rijo e se aguentar. A ser cúmplices desta auto-mutilação.

 

Nos pontos 7, 8 e 9 o Sr. Dr começa a dizer que só faz os mínimos. Entra e sai no horário e nem mais um minuto. Começa a responder mal e a colocar tudo em causa. Entra tarde, talvez ligue o computador e mande um e-mail aos colegas para ir tomar o pequeno-almoço mal chegue. Mal acaba o horário sai imediatamente. E não lhe pagam para ir bonito para o trabalho por isso começa a desleixar. Mas à volta, o que ouve é que é preguiçoso, é que é incrível não trabalhar mais, é que se está a desmazelar. Este ponto é perigosíssimo. É o da despersonalização. Existe uma resignação muito grande. Um deixa andar. Uma tristeza grande. Ainda alguma força. Ninguém devia chegar a este ponto 7 ou 8 ou 9. Mas quem chegue tem que ter força e apoio para se demitir nesse mesmo dia: Dizer que não fica nem mais uma noite. Para mandar para um certo sítio o superior hierárquico se necessário. Para dizer que não quer ser como ele.

 

O ponto 12 acaba muitas vezes em suicídio. Sem que ninguém perceba “onde falhou”. Aqui todos fazem um esforço. Até vão ver conversas antigas e perceber se existiu alguma pista. Lá descobrem. Há 3 anos, o Sr. Dr. até se queixou que “trabalha demais, mas tem de ser”. Estaria no ponto 4. A partir daí terá sido uma escalada.

 

O Sr. Dr. morreu. A causa da morte foi o trabalho. E nós fomos cúmplices.

 

tmgmendonca@gmail.com

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